22.5.12

Once upon a time...

É preciso deixar aqui gravado, para o resto da história, que aquela era a areia mais estranha da história. ~Ç



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18.5.12

Crônica da Loucura

Existem dos tipos de loucos. O louco propriamente dito e o que cuida do louco: o analista, o terapeuta, o psicólogo e o psiquiatra. Sim, somente um louco pode se dispor a ouvir a loucura de seis ou oito outros loucos todos os dias, meses, anos. Se não era louco, ficou. Durante mais de 40 anos passei longe deles. Mas o mundo gira, a lusitana roda e Portugal me entortou um bocado a cabeça. Pronto, acabei diante de um louco, contando as minhas loucuras acumuladas. Confesso, como louco confesso, que estou adorando esta loucura semanal. O melhor na terapia é chegar antes, alguns minutos, e ficar observando os meus colegas loucos na sala de espera. Onde faço a minha terapia é uma casa grande com oito loucos analistas. Portanto, a sala de espera sempre tem três ou quatro, ali, ansiosos, pensando na loucura que vão dizer daqui a pouco. Ninguém olha para ninguém. O silêncio é uma loucura. E eu, como escritor, adoro observar as pessoas, imaginar os nomes, a profissão, quantos filhos têm, se são rotarianos ou leoninos, corintianos ou palmeirenses. Acho que todo escritor gosta deste brinquedo, no mínimo, criativo. E a sala de espera de um ''consultório médico", como diz a atendente absolutamente normal (apenas uma pessoa normal lê tanto Herman Hesse como ela), é um prato cheio para um louco escritor como eu. Senão, vejamos: Na última quarta-feira, estávamos eu, um crioulinho muito bem vestido, um senhor de uns cinqüenta anos e uma velha gorda. Comecei, é claro, imediatamente a imaginar qual era a loucura de cada um deles. Que motivos os teriam trazido até ali? Qual seria o problema de cada um deles? Não foi difícil, porque eu já partia do princípio que todos eram loucos, como eu. Senão não estariam ali, tão cabisbaixos e ensimesmados. Em si mesmos. O pretinho, por exemplo. Claro que a cor, num país racista como o nosso, deve ter contribuído muito para levá-lo até aquela poltrona de vime. Deve gostar de uma branca, e os pais dela não aprovam o casamento, pensei. Ou será que não conseguiu entrar como sócio do Harmonia? Notei que o tênis dele estava um pouco velho. Problema de ascensão social, com certeza. O olhar dele era triste, cansado. Comecei a ficar com pena dele. Depois notei que ele trazia uma mala. Podia ser o corpo da namorada esquartejado lá dentro. Talvez apenas a cabeça. Devia ser um assassino, ou suicida, no mínimo. Podia ter também uma arma lá dentro. Podia ser perigoso. Afastei-me um pouco dele no sofá. Ele dava olhadas furtivas para dentro da sua mala assassina. E o senhor de terno preto, gravata, meia e sapatos também pretos? Como ele estava sofrendo, coitado. Ele disfarçava, mas notei que tinha um pequeno tique no olho esquerdo. Corno, na certa. E manso. Corno manso sempre tem tiques. Já notaram? Observo as mãos. Roia as unhas. Insegurança total, medo de viver. Filho drogado? Bem provável. Como era infeliz este meu personagem. Uma hora tirou o lenço, e eu já estava esperando as lágrimas quando ele assoou o nariz violentamente, interrompendo o Herman Hesse da outra. Faltava um botão na camisa. Claro, abandonado pela esposa. Devia morar num flat, pagar caro, devia ter dívidas astronômicas. Homossexual? Acho que não. Ninguém beijaria um homem com um bigode daqueles. Tingido. Mas a melhor, a mais doida, era a louca gorda e baixinha. Que bunda imensa! Como sofria, meu Deus. Bastava olhar no rosto dela. Não devia fazer amor há mais de trinta anos. Será que se masturbaria? Será que era este o problema dela? Uma velha masturbadora? Não! Tirou um terço da bolsa e começou a rezar. Meu Deus, o caso é mais grave do que eu pensava. Estava no quinto cigarro em dez minutos. Tensa. Coitada. O que deve ser dos filhos dela? Acho que os filhos não comem a macarronada dela há dezenas e dezenas de domingos. Tinha cara também de quem tinha uma prisão de ventre crônica. Tinha cara, também, de quem mentia para o analista. Minha mãe rezaria uma Salve-Rainha por ela, se a conhecesse. Acabou o meu tempo. Tenho que ir conversar com o meu terapeuta. Conto para ele a minha viagem na sala de espera. Ele ri, ri muito, o meu terapeuta: — O Ditinho é o nosso office-boy. O de terno preto é representante de um laboratório multinacional de remédios lá do Ipiranga, e passa por aqui uma vez por mês com as novidades. E a gordinha é a dona Dirce, a minha mãe. E você não vai ter alta tão cedo.

Mário Prata

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Águas de Março

Tom e Elis.




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Comfortably Numb.




O primeiro vídeo gravado com a magnífica Nikon D7000 do magnífico, mestre, mágico, alquimista, gênio, "O Todo Poderoso", o melhor guitarrista, fotógrafo e namorado do mundo: Bruno Gorski!

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17.5.12

Cotil Arte PRIMEIRO LUGAR

Primeiro Lugar em Fotografia... BRUNO GORSKI.





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Caio Fernando Abreu

"Olha, eu estou te escrevendo só pra dizer que se você tivesse telefonado hoje eu ia dizer tanta, mas tanta coisa. Talvez mesmo conseguisse dizer tudo aquilo que escondo desde o começo, um pouco por timidez, por vergonha, por falta de oportunidade, mas principalmente porque todos me dizem que sou demais precipitado, que coloco em palavras todo o meu processo mental (processo mental: é exatamente assim que eles dizem, e eu acho engraçado) e que isso assusta as pessoas, e que é preciso disfarçar, jogar, esconder, mentir. Eu não queria que fosse assim. Eu queria que tudo fosse muito mais limpo e muito mais claro, mas eles não me deixam, você não me deixa" 

Carta para Além do Muro

Olha, estou escrevendo só pra dizer que se você tivesse telefonado hoje eu ia dizer tanta, mas tanta coisa. Talvez mesmo conseguisse dizer tudo aquilo que escondo desde o começo, um pouco por timidez, por vergonha, por falta de oportunidade, mas principalmente porque todos me dizem que sou demais precipitado, que coloco em palavras todo o meu processo mental (processo mental: é exatamente assim que eles dizem, e eu acho engraçado) e que isso assusta as pessoas, e que é preciso disfarçar, jogar, esconder, mentir. Eu não achei que ia conseguir dizer, quero dizer, dizer tudo aquilo que escondo desde a primeira vez que vi você, não me lembro quando, não me lembro onde. Hoje havia calma, entende? Eu acho que as coisas que ficam fora da gente, essas coisas como o tempo e o lugar, essas coisas influem muito no que a gente vai dizer, entende? Pois por fora, hoje, havia chuva e um pouco de frio: essa chuva e esse frio parecem que empurram a gente mais pra dentro da gente mesmo, então as pessoas ficam mais lentas, mais verdadeiras, mais bonitas. Hoje eu estava assim: mais lento, mais verdadeiro, mais bonito até. Hoje eu diria qualquer coisa se você telefonasse. Por dentro também eu estava preparado para dizer, um pouco porque eu não agüento mais ficar esperando toda hora você telefonar ou aparecer, e quando você telefona ou aparece com aquelas maçãs eu preciso me cuidar para não assustar você e quando você me pergunta como estou, mordo devagar uma das maçãs que você me traz e cuido meus olhos para não me traírem e não te assustarem e não ficarem querendo entrar demais no de dentro dos teus olhos, então eu cuido devagar tudo o que digo e todo movimento, porque eu quero que você venha outras vezes e eles dizem que se eu mostrar como realmente sou você vai ficar apavorado e nunca mais vai aparecer nem telefonar – eu não agüento mais não me mostrar como sou. Hoje de manhã eu acordei bem cedo, e depois de conversar com eles consegui permissão para caminhar sozinho no jardim, eu disfarcei muito conversando com eles porque queria muito caminhar sozinho no jardim. Àquela hora ainda não estava chovendo, ou estava, não me lembro, ou havia chovido ontem à noite, não, acho que não estava chovendo não, porque eu lembro que as folhas estavam limpas e molhadas e a aterra tinha um cheiro de terra molhada: comecei a lembrar, lembrar, lembrar e o meu pensamento parecia um parafuso sem fim, afundando na memória, eu não suportava mais lembrar de tudo o que se perdeu, tudo o que perdi, não fui e não fiz, mas não conseguia parar. Então comecei a gritar no meio do jardim molhado com as duas mãos segurando a minha cabeça para que não estourasse. Aí eles vieram e disseram que não tinha jeito e que estavam arrependidos por terem me deixado sair sozinho e que aquela era a última vez e que eu disfarçava muito bem mas não conseguiria mais enganá-los. Eu disse que não tinha culpa do meu pensamento disparar daquele jeito, mas acho que eles não acreditaram, eles não acreditaram que eu não consigo controlar pensamento. Então me deram uma daquelas injeções e eu afundei num sono pesado e sem saída como este espaço dentro desses quatro muros brancos. Foi depois que acordei, não sei se hoje ou amanhã ou ontem, eu te escrevo dizendo hoje só para tornar as coisas mais fáceis, foi depois de acordar que perguntei se você não tinha vindo nem telefonado, e eles disseram que você não viera nem telefonara. É provável que estivessem mentindo, eles dizem que eu preciso aceitar mais a realidade das coisas, a dureza das coisas, e às vezes penso que tornam de propósito as coisas mais duras do que realmente são, só pra ver se eu reajo, se eu enfrento. Mas não reajo nem enfrento. A cada dia viver me esmaga com mais força. Não sei se eles escondem de mim a sua visita, se não me chamam quando você telefona, se dizem que já fui embora, que já estou curado, não sei se você não vem mesmo e não telefona mais, não sei nada de ninguém que viva atrás daqueles muros brancos, você era a única pessoa lá de fora que entrava aqui de vez em quando. É verdade que eles todos moram lá fora, mas é diferente, eles vivem tanto aqui dentro que não consigo acreditar que sejam iguais os lá de fora, como você. Você, sim, era completamente lá de fora. Digo era porque faz muito tempo que você não vem porque guardei no meio das minhas roupas um pedaço daquela maçã que você trouxe da última vez, e aquele pedaço escureceu, ficou com cheiro ruim, encheu de bichos, até que eles me obrigaram a jogar fora. Acho que os pedaços de maçã só se enchem de bichos depois de muito tempo, não sei. Parei um pouco de escrever, roí as unhas, preciso roer as unhas porque eles não me deixam fumar, reli o começo da carta, mas não consegui entender direito o que eu pretendia dizer, sei que pretendia dizer uma coisa muito especial a você, alguma coisa que faria você largar tudo e vir correndo me ver ou telefonar e, se fosse preciso, trazer a polícia aqui para obrigá-los a deixarem você me ver. Eu sei que você quer me ver. Eu sei que você fica os dias inteiros caminhando atrás daqueles muros brancos esperando eu aparecer. Eles não deixam, acho que você sabe que eles não deixam. Não vão deixar nem esta carta chegar às suas mãos, ou vão escrever outra dizendo que eu não gosto de você, que eu não preciso de você. Mas é mentira, você tem que saber que é mentira, acho que era isso que eu queria dizer preciso escrever depressa antes que eu me esqueça do que eu queria dizer era isso eu preciso muito muito de você eu quero muito muito você aqui de vez em quando nem que seja muito de vez em quando você nem precisa trazer maçãs nem perguntar se estou melhor você não precisa trazer nada só você mesmo você nem precisa dizer alguma coisa no telefone basta ligar e eu fico ouvindo o seu silêncio do outro lado da linha ou do outro lado da porta ou do outro lado do muro ou do outro lado...
Parei um pouco de escrever para olhar pela janela e principalmente para ver se eu conseguia deter o parafuso entrando no pensamento. Acho que consegui. Porque quando começo assim não consigo mais parar, e não quero que eles me dêem aquela injeção, não quero ouvir eles dizendo que não tem remédio, que eu não tenho cura, que você não existe. Eu acho graça e penso em como você também acharia graça se soubesse como eles repetem que você não existe. Depois eu paro de achar graça e fico olhando a porta por onde não entra o telefone por onde você não fala e me lembro do pedaço apodrecido daquela maçã e então penso que talvez eles tenham razão, que talvez você não exista mesmo. Mas não é possível, eu sei que não é possível: se estou escrevendo para você é porque você existe. Tenho certeza que você existe porque escrevo para você, mesmo que o telefone não toque nunca mais, mesmo que a porta não abra, mesmo que nunca mais você me traga maçãs e sem as suas maçãs eu me perca no tempo, mesmo que eu me perca. Vou terminar por aqui, só queria pedir uma coisa, acho que não é difícil, é só isso, uma coisa bem simples: quando você voltar outra vez veja se você me traz uma maçã bem verde, a mais verde que você encontrar, uma maçã que leve tanto tempo para apodrecer que quando você voltar outra vez ela ainda nem tenha amadurecido direito.

Caio Fernando Abreu

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O Amor Acaba

O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

Paulo Mendes Campos

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12.5.12

Croácia, mais uma vez.

Depois do Parque Nacional dos Lagos de Plitvice, voltarei a Croácia, mais uma vez. Só que para um destino diferente. Uma ilha, pouco povoada e maravilhosa, que esconde praias sensacionais. O que não faltam são atrativos na Ilha de Krk. Situada na Baía de Kvarmer, esta ilha é uma das maiores do Mar Adriático, com 420 km². É a mais extensa da Croácia também. Em Krk existem mais de 60 aldeias, pequenas e tradicionais. O censo de 2001 mostrou uma população total de 16.402 habitantes. A capital e a maior cidade da Ilha de Krk tem o mesmo nome da Ilha. E sabia que a Ilha de Krk possui mais espécies de vida selvagem do que a Inglaterra? Pois é.


Na ilha de Krk vale a pena visitar Baska, que conta com uma pitoresca vila e uma formosa praia de dois quilômetros de longitude. A praia de Stara Baska é constituída por pequenas pedras e localiza-se 10 km a Sul de Punat, uma cidade turística da Ilha. É uma praia com um grande ambiente, muito concorrida, e com muita diversão. Na Baía de Klimnom encontramos a praia com mesmo nome, uma encantadora praia de areia dourada quase branca, com grandes dunas. E são muitas outras atrações. Como a Caverna de Biserujka, na aldeia de Rudine. Com apenas 110 metros de profundidade, ela atrai turistas que querem presenciar as peças musicais que lá são apresentadas.










Você não pode perder este passeio. Vem comigo?



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Oil Painting - The Dog.

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11.5.12

After The Storm.




And after the storm,
I run and run as the rains come
And I look up, I look up,
on my knees and out of luck,
I look up.

Night has always pushed up day
You must know life to see decay
But I won't rot, I won't rot
Not this mind and not this heart,
I won't rot.

And I took you by the hand
And we stood tall,
And remembered our own land,
What we lived for.

And there will come a time, you'll see, with no more tears.
And love will not break your heart, but dismiss your fears.
Get over your hill and see what you find there,
With grace in your heart and flowers in your hair.

And now I cling to what I knew
I saw exactly what was true
But oh no more.
That's why I hold,
That's why I hold with all I have.
That's why I hold.

And I will die alone and be left there.
Well I guess I'll just go home,
Oh God knows where.
Because death is just so full and man so small.
Well I'm scared of what's behind and what's before.

And there will come a time, you'll see, with no more tears.
And love will not break your heart, but dismiss your fears.
Get over your hill and see what you find there,
With grace in your heart and flowers in your hair.

And there will come a time, you'll see, with no more tears.
And love will not break your heart, but dismiss your fears.
Get over your hill and see what you find there,
With grace in your heart and flowers in your hair.

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10.5.12

Um cão, apenas

Subidos, de ânimo leve e descansado passo, os quarenta degraus do jardim - plantas em flor, de cada lado; borboletas incertas; salpicos de luz no granito, eis-me no patamar. E a meus pés, no áspero capacho de coco, à frescura da cal do pórtico, um cãozinho triste interrompe o seu sono, levanta a cabeça e fita-me. É um triste cãozinho doente, com todo o corpo ferido; gastas, as mechas brancas do pêlo; o olhar dorido e profundo, com esse lustro de lágrima que há nos olhos das pessoas muito idosas. Com um grande esforço, acaba de levantar-se. Eu não lhe digo nada; não faço nenhum gesto. Envergonha-me haver interrompido o seu sono. Se ele estava feliz ali, eu não devia ter chegado. Já que lhe faltavam tantas coisas, que ao menos dormisse: também os animais devem esquecer, enquanto dormem...

Ele, porém, levantava-se e olhava-me. Levantava-se com a dificuldade dos enfermos graves, acomodando as patas da frente, o resto do corpo, sempre com os olhos em mim, como à espera de uma palavra ou de um gesto. Mas eu não o queria vexar nem oprimir. Gostaria de ocupar-me dele: chamar alguém, pedir-lhe que o examinasse, que receitasse, encaminhá-lo para um tratamento... Mas tudo é longe, meu Deus, tudo é tão longe. E era preciso passar. E ele estava na minha frente, inábil, como envergonhado de se achar tão sujo e doente, com o envelhecido olhar numa espécie de súplica. Até o fim da vida guardarei seu olhar no meu coração. Até o fim da vida sentirei esta humana infelicidade de nem sempre poder socorrer, neste complexo mundo dos homens. Então, o triste cãozinho reuniu todas as suas forças, atravessou o patamar, sem nenhuma dúvida sobre o caminho, como se fosse um visitante habitual, e começou a descer as escadas e as suas rampas, com as plantas em flor de cada lado, as borboletas incertas, salpicos de luz no granito, até o limiar da entrada. Passou por entre as grades do portão, prosseguiu para o lado esquerdo, desapareceu.

Ele ia descendo como um velhinho andrajoso, esfarrapado, de cabeça baixa, sem firmeza e sem destino. Era, no entanto, uma forma de vida. Uma criatura deste mundo de criaturas inumeráveis. Esteve ao meu alcance, talvez tivesse fome e sede: e eu nada fiz por ele; amei-o, apenas, com uma caridade inútil, sem qualquer expressão concreta. Deixei-o partir, assim, humilhado, e tão digno, no entanto; como alguém que respeitosamente pede desculpas de ter ocupado um lugar que não era o seu.

Depois pensei que nós todos somos, um dia, esse cãozinho triste, à sombra de uma porta. E há o dono da casa e a escada que descemos, e a dignidade final da solidão.

Cecília Meireles

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9.5.12

Na Fila da Liberdade

É interessante notar as diferenças em filas, de um lugar para o outro. Em Florianópolis, por exemplo, tanto nas filas de banco como de supermercado, as pessoas ficam conversando, com calma, esperando. Mesmo no Rio de Janeiro, enfrenta-se uma fila com mais humor.

Em São Paulo, a fila é uma tortura. A fila é triste e interminável. Parece que, se fosse possível, a gente mataria aqueles quatro ou cinco que estão na nossa frente. E, se alguém conversa com alguém, o assunto é a própria fila. Uns chegam a dizer palavras chulas. Xingam, como se a culpa fosse da pobre mocinha que está do outro lado da fila, muito mais aflita que os filenses.

Pois foi numa dessas filas que o fato se deu.

Era uma bela fila, de umas dez pessoas. E em supermercado, com aqueles carrinhos lotados, a gente ali olhando a mocinha tirar latinha por latinha, rolo por rolo de papel higiênico, aquela coisa que não tem fim mesmo. E naquela fila tinha um garotinho de uns dez anos, que existe apenas uma palavra para definir a figurinha: um pentelho. Como muito bem define o Houaiss: “pessoa que exaspera com sua presença, que importuna, que não dá paz aos outros”.

Pois ali estava o pentelhinho no auge de sua pentelhação. Quanto mais demorava, mais ele se aprimorava. E a mãe, ao lado, impassível. Chegou uma hora que o garoto começou a mexer nas compras dos outros. Tirar leite condensado de um carrinho e colocar no outro. Gritava, ria, dava piruetas. Era o reizinho da fila. E a mãe, não era com ela.

Na fila ao lado (aquela de velhos, deficientes e grávidas), tinha um casal de velhinhos. Mas velhinhos mesmo, de mãos dadas. Ali, pelos oitenta anos. A velhinha, não aguentando mais a situação, resolveu tomar as dores de todos e foi falar com a mãe. Que ela desse um jeito no garoto, que ela tomasse uma providência. No que a mãe, de alto e bom tom:

- Educo meu filho assim, minha senhora. Com liberdade, sem repressão. Meu filho é livre e feliz. É assim que se deve educar as crianças hoje em dia.

A velhinha ainda ameaçou dizer alguma coisa, mas se sentiu antiga, ultrapassada. Voltou para a sua fila. Só que não encontrou o seu marido, que havia sumido.

Não demorou muito e voltou o marido com um galão de água de cinco litros e, calmamente se aproximou da mãe do pentelho, abriu e entornou tudo na cabeça da mulher.

- O que é isso, meu senhor?!

O velhinho colocou o vasilhame (que palavra antiga) no seu carrinho e enquanto a mulher esbravejava e o pentelho morria de rir, disse bem alto:

- Também fui educado com liberdade!

Foi ovacionado.

Mário Prata

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Made in Heaven


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7.5.12

Nas manhãs de domingo

Acordei cedo hoje. Na verdade, quase não consegui dormir. O dia, o grande dia. E como eu esperava por esses grandes dias.
Levantei e fui para a cozinha. Liguei o rádio para ouvir as notícias matinais. Baixei um pouquinho o volume, para não acordar a minha esposa.
A cafeteira estava louca. Não sei o que dá nesses eletrodomésticos. Fiz o café à moda antiga, mesmo.
Estou ficando velho.

Vesti meu terno hoje. Eu gosto de usar terno aos domingos. Hoje em dia não se usa mais terno aos domingos.

Queria ter escrito um livro. Desde os 20 anos de idade, era essa a minha grande intenção. Mas eu não tinha vivência suficiente, achava. Esperei um grande amor, uma grande dor, algo que me marcasse acontecer. Esperei em vão.

Não tenho vícios, e um artista precisa de vícios. As pessoas gostam de ler relatos viciosos. Não gosto do álcool, tampouco do tabaco. Quando eu penso na minha adolescência, eu vejo que deveria ter fumado. Todos os meus amigos fumavam. Todo o mundo fumava. Era normal. Eu não. Hoje em dia é diferente. Hoje o governo faz propaganda, e todos acreditam que o corpo deve durar para sempre. Seria bom, pensando bem. Pena que não ocorra.
Mas tudo bem.

Saí de casa bem antes das nove da manhã. Andei um pouco ali pela rua dos jacarandás, meio sem rumo, mesmo, observando os poucos transeuntes que me acompanhavam na caminhada matinal. Passam poucos carros por aquela rua, mesmo durante a semana, e eu gosto disso. Algumas bandeiras, tanto azuis quanto vermelhas, enfeitam algumas sacadas, mas, graças a Deus, a algazarra ainda não começou. As pessoas não sabem mais torcer, hoje em dia. Eu queria ainda trabalhar no rádio; se ainda o fizesse, diria o que penso sobre as torcidas de hoje em dia.

Acho que vou passar a manhã no parque. Meus filhos vieram semana passada. Eles nunca vêm duas semanas seguidas.
A rua é um pouco inclinada; quase uma lomba, mesmo. Ainda bem que não chove há bom tempo.
Lá vem a Dona Neuza subindo, cheia de compras. Ela sempre sai de manhã cedo no domingo e vai à feira. Já a vi resvalar e cair duas vezes. Espero que ela não caia hoje; não quero me obrigar a subir essa quase-lomba novamente. Realmente, ainda bem que não chove há bom tempo.

- Oi, Seu A-Antônio.

Ela ofegou. Provavelmente para que eu me oferecesse para ajudá-la. Não estou bem disposto hoje. Cumprimentei-a erguendo o chapéu. Eu deveria ter dito que estava de chapéu. Segui meu passo.

Quando eu era mais novo, já disse, tinha pretensões de escrever um livro. Passava pelas ruas criando personagens para cada pessoa que visse. Era um exercício interessante. Meus heróis nunca eram os mais bonitos. Mas as mocinhas, ah, essas sim, eram sempre lindas.

- Tá na fatiota hoje, heim, Seu Antônio?

O Jorge. Acho que ele não seria um bom personagem. É meio bicho grilo; eu nem dou muita trela.
Ele estava fumando.

Eu deveria mesmo ter fumado. Eu talvez já estivesse morto hoje em dia – quem pode dizer? –, mas a adolescência teria sido mais fácil. O Freire morreu ano retrasado, de câncer. O Wálter morreu ainda nos anos 1980, por problemas cardíacos. Os médicos disseram que foram agravados pelo cigarro. A Renata não fumava e morreu atropelada, quando nós ainda estávamos no colegial. Eu lembro do enterro dela. Eu gostava dela. E tinha vergonha de chorar na frente dos meus amigos, então eu ficava pensando em futebol. No final, todo mundo acabou chorando, enquanto eu escalava o time do Grêmio de cabeça e pensava nas jogadas do Gessy. Eu deveria ter chorado no enterro da Renata.

E lá vem aquele judeu, o Seu Klein; matou a esposa quatro anos atrás e, pasmem, foi acobertado pela mãe dela. Claro que todos pensam que foi um assalto, ou coisa que o valha; ninguém mais sabe que foi o Seu Klein. Ele se sente culpado, às vezes. Por isso parece sempre tão triste.

A parada é logo ali, dobrando a esquina.

Um rapaz de cadeira de rodas. Vou chamá-lo de João Eduardo. Ficou nesse estado quando tinha seus 16 anos. Foi atropelado quando salvava o cachorro da namorada, um poodle chamado Alfredo, pulando na frente de um Opala. Alfredo morreu dois anos depois. Ela encontrou o amor com outro homem. Ele continua sozinho desde então.

O ônibus vem vindo. Espero que ele pare para mim.
Não gosto de ônibus. Alguns dias atrás, um homem, já senhor, me ofereceu o assento. Eu não pude aceitar, aguento-me bem de pé, graças a Deus. Mas estou ficando velho.
Hoje estava vazio; sentei-me.

Uma guria, de blusa branca, parou bem na minha frente, para pegar o telefone na bolsa. Eu consegui ver o sutiã que ela usava por debaixo da blusa. Tinha estrelinhas arroxeadas. Me senti um pervertido só por olhar, mas não pude evitar. Que idade teria ela? 18? Talvez nem 15. Há quanto tempo eu não faço sexo? Melhor nem tentar lembrar. Eu poderia escrever sobre esse meu desejo sórdido por ela, mas acabaria uma cópia fajuta de Lolita. Acho que eu não consigo escrever sobre os jovens. Não os de hoje em dia. Eles vivem no computador, e eu não entendo nada de computadores. E pensar que era eu quem dava jeito na antena da Tevê.

Só traí uma vez. E nem valeu a pena. Não vou contar; quase fui pego.

Desci no parque. Meus sapatos sujaram um pouco com aquela terra alaranjada, mas tudo bem. O dia tinha ficado um pouco nublado, e eu até prefiro assim.

Não tinha tanta gente. Acho que era por causa da previsão de chuva para hoje. Talvez ainda chova de tarde. Quase metade dos frequentadores dessa manhã usavam camisetas da dupla. Não entendo mais toda essa agitação. Nada disso me faz sentido.

Andei um pouco pela grama. Vi um casal carregando um bebê de colo com a camisa do Internacional. Nem criou consciência e já tem algumas decisões tomadas por ele. O tempo vai passar, e ele vai crescer, viver e morrer. É tudo tão vão.

Comprei uma pipoca. Pena que gruda nos dentes. Talvez eu jogue para os patos.
Sentei em um dos bancos que ficavam de frente para o laguinho e tirei meu chapéu.

- Ô, Seu Antônio, quanto vai ser o jogo hoje?

Nem pensei a respeito. Mas gosto que me perguntem.

- Dois a zero pro tricolor.

Quando eu trabalhava no rádio, não podia expor para que time eu torcia. Pena eu ter essa garganta maldita. Mas agora eu posso. É melhor assim. De qualquer forma, acho que o futebol me deprime.
Uma criança veio correndo, passou por mim e tropeçou. Acho que ralou o joelho. Abriu o berreiro. O pai veio atrás acudir; “pronto, pronto, já passou. Já passou, já passou.”
É tudo tão vão.

Dois anos atrás, eu estava no médico. Ele me apontava o peito, na região do coração, e me dizia: “a sua dor está aqui”. Três semanas atrás, e eu tive meu primeiro princípio de infarto, à mesa, no almoço de Domingo.
“A sua dor está aqui.”


Como será que fica o parque num Domingo, na hora do Grenal? A cidade não para. Era o meu bordão favorito no rádio; “a cidade parou pra assistir a esse jogo.” Sempre parava. Os pais vêm e trazem seus filhos para andar no pedalinho? A cidade não para. Queria poder ficar para ver.

Vou voltar para casa só na hora do almoço. Ou talvez à tarde. Nem sei.

A minha dor está aqui.

E em todo lugar.



Autor Desconhecido

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Like a bird across the sky.




Fotos de Bruno Gorski

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6.5.12

O suor e a lágrima

Fazia calor no Rio, 40 graus e qualquer coisa, quase 41. No dia seguinte, os jornais diriam que fora o mais quente deste verão que inaugura o século e o milênio. Cheguei ao Santos Dumont, o vôo estava atrasado, decidi engraxar os sapatos. Pelo menos aqui no Rio, são raros esses engraxates, só existem nos aeroportos e em poucos lugares avulsos.

Sentei-me naquela espécie de cadeira canônica, de coro de abadia pobre, que também pode parecer o trono de um rei desolado de um reino desolante.

O engraxate era gordo e estava com calor — o que me pareceu óbvio. Elogiou meus sapatos, cromo italiano, fabricante ilustre, os Rosseti. Uso-o pouco, em parte para poupá-lo, em parte porque quando posso estou sempre de tênis.

Ofereceu-me o jornal que eu já havia lido e começou seu ofício. Meio careca, o suor encharcou-lhe a testa e a calva. Pegou aquele paninho que dá brilho final nos sapatos e com ele enxugou o próprio suor, que era abundante.

Com o mesmo pano, executou com maestria aqueles movimentos rápidos em torno da biqueira, mas a todo instante o usava para enxugar-se — caso contrário, o suor inundaria o meu cromo italiano.

E foi assim que a testa e a calva do valente filho do povo ficaram manchadas de graxa e o meu sapato adquiriu um brilho de espelho à custa do suor alheio. Nunca tive sapatos tão brilhantes, tão dignamente suados.

Na hora de pagar, alegando não ter nota menor, deixei-lhe um troco generoso. Ele me olhou espantado, retribuiu a gorjeta me desejando em dobro tudo o que eu viesse a precisar nos restos dos meus dias.

Saí daquela cadeira com um baita sentimento de culpa. Que diabo, meus sapatos não estavam tão sujos assim, por míseros tostões, fizera um filho do povo suar para ganhar seu pão. Olhei meus sapatos e tive vergonha daquele brilho humano, salgado como lágrima.

Carlos Heitor Cony

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5.5.12

Hoje é noite de Supermoon!

                     O nosso satélite natural está mais próximo de nós esta noite, logo, está 14% maior e 30% mais brilhante no céu. O fenômeno do perigeu, conhecido como Supermoon, acontece uma vez por ano. Em 2011, foi especial. Em 19 de março, tivemos a maior "Superlua" em 18 anos - ela estava 400 km mais perto da Terra do que estará hoje. Além da Lua, Marte, Saturno e Vênus poderão ser vistos a olho nu. Logo após o pôr-do-sol, o primeiro, com sua cor vermelha, estará bem alto no céu. O segundo maior planeta do Sistema Solar aparecerá com um brilho marrom próximo do horizonte leste. Já o nosso outro vizinho tem forte brilho prata e poderá ser observado no horizonte oeste.
                      O fenômeno alcança seu auge amanhã, 00h35. Que tal sair na sacada hoje e aproveitar? As próximas Supermoons só voltam a acontecer nos dias 19 de março de 2013 e 10 de agosto de 2014.





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Stranger in Paradise

Tony Bennett e Andrea Bocelli


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Tarde de Sábado

A tardezinha de sábado, um pouco cinzenta, um pouco fria, parece não possuir nada de muito particular para ninguém. Os automóveis deslizam; as pessoas entram e saem dos cinemas; os namorados conversam por aqui e por ali; os bares funcionam ativamente, numa fabulosa produção de sanduíches e cachorros-quentes. Apesar da fresquidão, as mocinhas trazem nos pés sandálias douradas, enquanto agasalham a cabeça em echarpes de muitas voltas.

Tudo isso é rotina. Há um certo ar de monotonia por toda parte. O bondinho do Pão de Açúcar lá vai cumprindo o seu destino turístico, e moços bem falantes explicam, de lápis na mão, em seus escritórios coloridos e envidraçados, apartamentos que vão ser construídos em poucos meses, com tantos andares, vista para todos os lados, vestíbulos de mármore, tanto de entrada, mais tantas prestações, sem reajustamento — o melhor emprego de capital jamais oferecido!

Em alguma ruazinha simpática, com árvores e sossego, ainda há crianças deslumbradas a comerem aquele algodão de açúcar que de repente coloca na paisagem carioca uma pincelada oriental. E há os avós de olhos filosóficos, a conduzirem pela mão a netinha que ensaia os primeiros passeios, como uma bailarina principiante a equilibrar-se nas pontas dos sapatinhos brancos.

Andam barquinhos pela baía, com um raio de sol a brilhar nas velas; há uns pescadores carregados de linhas, samburás, caniços, muito compenetrados da sua perícia; há famílias inteiras que não se sabe de onde vêm nem se pode imaginar para onde vão, e que ocupam muito lugar na calçada, com a boca cheia de coisas que devem ser balas, caramelos, pipocas, que passam de uma bochecha para a outra e lhes devem causar uma delícia infinita.

Depois aparecem muitas pessoas bem vestidas, cavalheiros com sapatos reluzentes, senhoras com roupas de renda e chapéus imensos que a brisa da tarde procura docemente arrebatar. Há risos, pulseiras que brilham, anéis que faíscam, muita alegria: pois não há mesmo nada mais divertido que uma pessoa toda coberta de sedas, plumas e flores, a lutar com o vento maroto, irreverente e pagão.

E depois são as belas igrejas acesas, todas ornamentadas, atapetadas, como jardins brancos de grandes ramos floridos

Por uma rua transversal, está chegando um carro. E dentro dele vem a noiva, que não se pode ver, pois está coberta de cascatas de véus, como se viajasse dentro da Via-láctea. Todos param e olham, inutilmente. Ela é a misteriosa dona dessa tardezinha de sábado, que parecia simples, apenas um pouco cinzenta, um pouco fria. E a moça que vem, com a alma cheia de interrogações, para transformar seus dias de menina e adolescente, despreocupados e livres, em dias compactos de deveres e responsabilidades. É uma transição de tempos, de mundos. Mas os convidados a esperam felizes, e ela não terá que pensar nisso. Ela mal se lembra que é sábado, que é o dia de seu casamento, que há padrinhos e convidados. E quando a cerimônia chegar ao apogeu, talvez nem se lembre de quem é: separada dos acontecimentos da terra, subitamente incorporada ao giro do Universo.

Cecília Meireles

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2.5.12

The Moonlight

Foto de Bruno Gorski

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Distrações

Um dia talvez se descubra para o que servem, ou serviram, coisas biologicamente inexplicáveis como o apêndice e as amígdalas. Há quem diga que Deus criou o apêndice e as amígdalas para dar de comer aos cirurgiões. Não sei. O fato é que, por exemplo, os mamilos masculinos e as unhas do pé só podem ser descritas como distrações da evolução. Foi esquecimento. Os mamilos nos homens seriam remanescentes de uma época em que, supostamente, todos os seres humanos eram hermafroditas e os bailes eram muito mais divertidos. As unhas dos pés serviam bem aos macacos mas nada justifica a sua existência em humanos nos dias de hoje ainda mais pintadas. Mas o maior exemplo de desleixo da evolução é a coluna vertebral. A evolução determinou que o homem andasse ereto sobre os dois pés, mas não adaptou nossa coluna para suas novas funções. Somos bípedes com uma estrutura de quadrúpedes, e como dói. Nossa coluna nos manda andar de quatro e o resto do corpo - para não falar nas regras da boa educação - nos diz para andar de pé. E não há sinal de que a coluna vertebral esteja se adaptando à nossa condição vertical. É cada vez maior o número de pessoas que sofrem da coluna. Ou seja, aumenta a pressão da coluna para que todos voltem a andar racionalmente sobre quatro patas. A biologia, ai de nós, também é reacionária.

Luís Fernando Veríssimo

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