23.12.10

Essa tal Liberdade...


                           É livre quem pode fazer o que quiser – dentro das suas limitações de espaço, tempo, energia e recursos. Só é livre dentro de certos limites. Portanto, toda liberdade é condicionalSó é totalmente livre quem pode exercer a sua vontade sem qualquer limitação moral ou material. Isto é: o tirano. Assim, a liberdade suprema só existe nas tiranias.
                           Dizer que a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro é muito bonito. Mas e se a liberdade foi mal atribuída e o meu vizinho tem um latifúndio de liberdade enquanto a minha é um quintal de liberdade, liberdade ainda que tadinha? Não é feio sugerir um reestudo da divisão.
                           Liberdade é diferente de egoísmo e egocentro. Cuidado com quem dá aos outros toda a liberdade. Geralmente é quem pode tirá-la. Há os que passam o dia inteiro livres e chegam em casa se queixando disso. São os motoristas de táxi. Toda liberdade é relativa.
                           Verdade exemplarmente ilustrada por este diálogo entre o preso e o carcereiro.
                           Nunca mais vou sair daqui !
                           Calma. Não desanime.
                           Não tem jeito. Estou aqui para sempre.
                           Vou ver o que posso fazer por você.
                           Não adianta. Estou condenado. Desta prisão eu não saio. Se esqueceram de mim.
                           Eu não esquecerei. Voltarei para visitá-lo.
                           Promete? – diz o carcereiro
                           Quem é livre às vezes não sabe. Quem não é livre sempre sabe. Ou o contrário? A gente vê tanta gente inexplicavelmente feliz. Alguns são obcecados pela liberdade e prisioneiros da sua obsessão. Os loucos são livres e vivem presos por isso.
                           Poderia se dizer que livre mesmo, é quem decide de uma hora para outra que naquela noite quer jantar em Paris e pega um avião. Mas mesmo este depende de estar com o passaporte em dia e encontrar lugar na primeira classe. E nunca escapará da dura realidade de que só chegará em Paris para o almoço do dia seguinte. O planeta tem seus protocolos.
                           Fala-se em liberdade como se ela fosse um absoluto. Mas dizer “eu quero ser livre” é o mesmo que dizer “eu quero” e não dizer o que. Existe a Liberdade De e a Liberdade Para. Não é uma questão apenas de preposições e semântica. É a questão do mundo. O liberalismo clássico iconizou a Liberdade Para. Você é livre se tem liberdade para dizer o que pensa e fazer o que quer, para ir e vir e exercer o seu individualismo até o fim, ou até o limite da liberdade do outro.
                           A idéia de que a verdadeira liberdade é a Liberdade De é recente. Livre de verdade é quem é livre da fome, da miséria, da injustiça, da liberdade predatória dos outros. A idéia é recente porque antes era inconcebível. Ser livre do despotismo era automaticamente ser livre para o que quisesse, para a vida e a procura individual do paraíso. Foi preciso uma virada no pensamento humano para concluir que Liberdade Para e Liberdade De não eram necessariamente a mesma liberdade e outra virada para concluir que eram antagônicas. A última virada é a decisão de que uma liberdade precisa morrer para que a outra viva. Não concorde com ela muito rapidamente.
                           Enfim , de todos os crimes que se cometem em nome da liberdade, o pior é a retórica. Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, completamente livre, é a que não tem medo do ridículo.

Luís Fernando Veríssimo

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