Matéria da Superinteressante
No dia 25 de maio de 2002, quando Peter Hillary conseguiu escalar o Everest, sabia que tinha pouco tempo para saudar seu grande herói. Antes que o ar rarefeito e o vento gelado consumissem a pouca energia que lhe restava, pegou o telefone por satélite e ligou para a Nova Zelândia: "Papai, estamos no topo. O que o senhor fez há quase 50 anos é inacreditável".
No acampamento-base da expedição (organizada pela National Geographic Society como parte das comemorações de meio século da conquista do Everest), Peter tinha o apoio de Jamling Norgay. Os dois são filhos, respectivamente, do neozelandês Edmund Hillary e do sherpa Tenzing Norgay, os primeiros homens a colocar os pés no ponto mais alto do planeta, a 8850 metros de altitude. Inacreditável talvez seja mesmo a melhor palavra para descrever a façanha alcançada às 11h30 da manhã de 29 de maio de 1953. Desde um século antes, mais precisamente em 1852, sabia-se que aquela montanha, na cordilheira do Himalaia, bem na fronteira entre o Nepal e o Tibete, era a mais alta do mundo. Na época, porém, era conhecida apenas como Pico XV. Em 1865, foi rebatizada em homenagem a George Everest, ex-topógrafo-geral da Índia. Quase seis décadas mais tarde, em 1921, Charles Howard-Bury chefiou a primeira expedição britânica à região. O grupo chegou a 6860 metros de altitude e saiu de lá confiante de ter descoberto o caminho rumo ao ponto mais alto do planeta. Acreditava-se que ele tinha 8848 metros, mas medições com GPS realizadas em 1999 confirmaram que o "grande E" tem 2 metros a mais.
"Porque está lá"
Na ocasião, perguntaram a George Mallory por que escalar o Everest. O alpinista respondeu com uma frase que se tornaria célebre: "Porque está lá". Porque estava lá, Mallory, Howard Sommervell e Arthur Wakefield fizeram a primeira tentativa de chegar ao pico no ano seguinte. Fracassaram. Em 1924, nova investida. No dia 8 de junho, Mallory e Andrew Irvine estavam muito perto do topo quando foram "engolidos" pelas nuvens. Nunca mais voltaram. Nem mesmo a descoberta do corpo congelado de Mallory, em 1999, respondeu à pergunta que muitos se fazem desde então: eles conseguiram?
Na primeira metade do século passado, 18 pessoas morreram ao tentar a escalada, até porque as condições em que partiam rumo ao cume eram bastante precárias. Não havia tecidos ou calçados capazes de resistir ao frio e à umidade, as barracas eram pesadas e até o uso de oxigênio suplementar era complicado e inseguro.
Por tudo isso, a conquista de 1953 foi festejada com enorme alegria e admiração. Foi uma megaexpedição, com dez alpinistas e 350 carregadores de origem sherpa, povo que vive no Himalaia desde o século 16 e que se mostraria essencial para vencer a montanha. Em locais assim, a pressão atmosférica é metade da registrada ao nível do mar, ou seja, só há 50% do oxigênio disponível na maioria das concentrações urbanas. Dali para cima, a situação se torna cada vez mais crítica. A 8 mil metros, por exemplo, o oxigênio corresponde a apenas 30% do que o nosso corpo está acostumado. É a chamada zona da morte - o batimento cardíaco passa de 120 por minuto, em repouso; e as alucinações são freqüentes. Sem falar nos ventos constantes, nas temperaturas que variam de 15ºC a 45ºC negativos e na possibilidade de ser atropelado por uma avalanche, fenômeno responsável pela maior parte das mortes.
É preciso querer muito superar o desgaste físico pelo prazer de desafiar a natureza.
O sherpa Norgay (nome que significa afortunado) tinha 39 anos e participara de outras seis expedições. Destacava-se pela força física, pela tenacidade e pela reverência que guardava em relação à montanha - os tibetanos a chamam de Chomolungma, ou deusa-mãe do mundo. No ano anterior, tinha chegado a 8598 metros junto com o suíço Raymond Lambert, marca nunca antes alcançada. O apicultor Hillary, 33 anos, se aventurava pela segunda vez. Estava no auge da forma física e tinha experiência como montanhista na Nova Zelândia e em expedições de reconhecimento na Cordilheira do Himalaia (numa delas, ajudara a mapear o lado sul do Everest). No percurso, Norgay salvou Hillary de uma queda numa fenda - e ambos se aproximaram. Em 21 de maio, 40 dias após o início da aventura, os dois passaram a escalar sempre juntos. Exatamente uma semana mais tarde, eles passaram a noite a 8500 metros de altitude. Na manhã seguinte, partiram para o último e mais complicado trecho: superar um paredão de cerca de 12 metros de rocha lisa quase sem pontos de apoio, batizado mais tarde de Escalão Hillary. "Uma saliência de gelo pendia sobre a rocha à direita, com uma longa fenda em seu interior. Sob ela, a montanha descia pelo menos 3 mil metros até a geleira Kangshung. Será que ela me aguentaria? Só havia um modo de descobrir", contou Hillary. O resto é história.
Nestes 51 anos, mais de 10 mil pessoas já desafiaram a montanha. Até o ano passado, 175 tinham morrido ao longo do caminho. E pouco mais de 1200 conseguiram atingir o cume. Em maio de 1975, a japonesa Junko Tabei foi a primeira mulher. Em agosto de 1980, o italiano Reinhold Messner completou outra façanha inédita: chegou lá sem oxigênio suplementar. No dia 14 de maio de 1995, Waldemar Niclevicz e Mozart Catão levaram a bandeira brasileira ao topo do mundo. E em maio de 2001 o americano Erik Weihenmayer, conduzido por amigos e amarrado por cordas, saltou fendas literalmente no escuro para se tornar o primeiro cego a completar a subida. Tudo para poder repetir a frase de Edmund Hillary a seu colega George Lowe, que o aguardava no acampamento IV, a mais de 6 mil metros de altitude, em maio de 1953: "Pronto, liquidamos o filho da mãe".
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