18.6.11

Construção

Chico Buarque

Amou daquela vez
Como se fosse a
última
Beijou sua mulher
Como se fosse a
última
E cada filho seu
Como se fosse o
único
E atravessou a rua
Com seu passo
tímido
Subiu a construção
Como se fosse
máquina
Ergueu no patamar
Quatro paredes
sólidas
Tijolo com tijolo
Num desenho
mágico
Seus olhos embotados
De cimento e
lágrima
Sentou prá descansar
Como se fosse
sábado
Comeu feijão com arroz
Como se fosse um
príncipe
Bebeu e soluçou
Como se fosse um
náufrago
Dançou e gargalhou
Como se ouvisse
música
E tropeçou no céu
Como se fosse um
bêbado
E flutuou no ar
Como se fosse um
pássaro
E se acabou no chão
Feito um pacote
flácido
Agonizou no meio
Do passeio
público
Morreu na contramão
Atrapalhando o tráfego…


Amou daquela vez
Como se fosse o
último
Beijou sua mulher
Como se fosse a
única
E cada filho seu
Como se fosse o
pródigo
E atravessou a rua
Com seu passo
bêbado
Subiu a construção
Como se fosse
sólido
Ergueu no patamar
Quatro paredes
mágicas
Tijolo com tijolo
Num desenho
lógico
Seus olhos embotados
De cimento e
tráfego
Sentou prá descansar
Como se fosse um
príncipe
Comeu feijão com arroz
Como se fosse o
máximo
Bebeu e soluçou
Como se fosse
máquina
Dançou e gargalhou
Como se fosse o
próximo
E tropeçou no céu
Como se ouvisse
música
E flutuou no ar
Como se fosse
sábado
E se acabou no chão
Feito um pacote
tímido
Agonizou no meio
Do passeio
náufrago
Morreu na contramão
Atrapalhando o público…


Amou daquela vez
Como se fosse
máquina
Beijou sua mulher
Como se fosse
lógico
Ergueu no patamar
Quatro paredes
flácidas
Sentou prá descansar
Como se fosse um
pássaro
E flutuou no ar
Como se fosse um
príncipe
E se acabou no chão
Feito um pacote
bêbado
Morreu na contra-mão
Atrapalhando o sábado…


Por esse pão prá comer
Por esse chão prá dormir

A certidão prá nascer
E a concessão prá sorrir

Por me deixar respirar
Por me deixar existir

Deus lhe pague…

Pela cachaça de graça
Que a gente tem que engolir

Pela fumaça desgraça
Que a gente tem que tossir

Pelo andaimes pingentes
Que a gente tem que cair

Deus lhe pague…

Pela mulher carpinteira
Prá nos domar e cuspir

E pelas moscas bixeiras
A nos beijar e cumprir

E pela paz derradeira
Que enfim nos vai redimir

Deus lhe pague…



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