"[...] quero um amigo, pensou e voltou o olhar para o homem ao lado. Ele pousara as mãos nos joelhos, mas quem tinha essas grandes mãos de estátua, o pai? Sabiam lidar com cordas no fazer e desfazer os nós, um marinheiro que defende um navio pode defender uma mulher. E eu estou só numa cidade terrível dentro de um planeta mais terrível ainda. Pagaria em ouro a esse amigo, mas quanto vale um amigo? Um amigo não tem preço e ainda assim pagaria para que ele fosse apenas bom, mas ainda era possível a bondade?"
"[...] queria a companhia de um homem que fosse seu ajudador quando desfalecesse. [...] Ele teria de morar na suíte no andar logo abaixo e subir a branca escada de caracol naquela hora difícil em que a noite baixava trazendo para dentro o hálito salgado do mar. Então ele chegaria pisando manso, era um homem grande mas pisava manso, Boa noite, Maria. [...] Tantos amigos. Tantos amores. Tinham sumido todos. Sem saber bem como, a verdade é que estava só e precisando apenas de alguém que a ajudasse a viver. E a morrer quando chegasse a hora de morrer."
"[...] O que tinha dizer elas já sabiam e era simples, não desejou que isso acontecesse. Aconteceu. E nesse mesmo sofá onde estava agora, bebiam vinho e assistiam a um filme sem maior interesse quando as mãos se apertaram com força mas sem aflição. As bocas se buscaram simplesmente e quando os corpos deslizaram abraçados para o chão, quando se juntaram nus em cima do tapete felpudo, ele disse apenas, Sem pressa, fique calma. Obedeceu, conteve-se. Tanta ansiedade e ele exato, comandando até o final o gozo agudo. Intenso. Nunca sentira antes esse prazer assim desvairado, Julius, Julius! ficou repetindo. Escondeu na almofada a cara banhada em lágrimas até se recuperar na respiração que se normalizou quando fez a pergunta frívola, recorria à frivolidade como escape, Então, Julius? Vai querer me ver remoçada? Alguma sugestão? Ele demorou para responder. Afagou-lhe os cabelos. A sua beleza vem de dentro, Maria. Não se preocupe, ele resiste. Ficaram em silêncio. A música já tinha parado, ficou o mar. Quando ele se despediu para descer, ela teve um impulso, tanta vontade de abraçá-lo e dizer apenas, Eu te amo. Ficou imóvel."
"[...]
- Espera, Julius, você está aí? Está me ouvindo?
- Estou aqui.
- Segura minha mão, quero sua mão, ah, como é bom, Julius querido, fica aí e escuta... Acho que ainda não disse uma coisa - ela avisou e moveu a cabeça. Falava bem baixo, suave. - Julius querido, é uma coisa tão importante, mas tão importante... Está me ouvindo? Com você eu voltei à infância, sabe o que é voltar à infância? Estou aqui caindo de sono e resistindo como no colo da minha mãe, está me ouvindo?
- Sim, Maria, pode falar.
- Aperta minha mão, assim, não larga... Eu ficava no colo da minha mãe e não queria dormir, não queria! É que tinha sempre uma festa acontecendo e eu não queria perder nada, resistia, não queria dormir e este sono... Julius, você está aí?
- Estou aqui com você.
A voz da mulher era um fio tênue.
- No colo da minha mãe...
Ele tomou-lhe a cabeça entre as mãos. Aproximou-se mais e fechou-lhe os olhos.
- Eu te amo. Agora dorme."
Trechos do conto Boa Noite, Maria, de Lygia Fagundes Telles
no livro A Noite Escura e Mais Eu.
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