Nos convenceríamos, finalmente, de que somos uma única espécie frágil num planeta precário e viveríamos nossos últimos anos em fraternidade e paz, ou reverteríamos ao nosso cerne básico e calhorda, agora sem qualquer disfarce? Nos tribalizaríamos ainda mais ou descobriríamos nossa humanidade comum, e como eram ridículas as nossas diferenças? Jogaríamos nosso dinheiro fora ou cataríamos o dinheiro que os outros jogassem fora, pensando na remota possibilidade de comprar um lugar no último foguete americano a deixar a Terra antes do impacto? Perderíamos todo o interesse nos prazeres da carne e trataríamos de salvar nossa alma ou, pelo contrário, nos entregaríamos à lascívia, ao deboche e à gula, ultrapassando, às gargalhadas, todos os nossos limites orçamentários?
Como os cientistas nos diriam até o segundo exato do choque com o asteróide com alguns meses de antecedência, seríamos a primeira geração sobre a Terra a viver com a certeza universal e pré-medida do seu fim - e a última, claro. Muitas seitas através da história e até hoje estabeleceram a hora e o modo de o mundo acabar e se preparam para o evento. Nós seríamos os primeiros com evidências científicas do fim, em vez de crença. Pois só a desmoralização total da ciência, só chamar o sistema métrico de ocultismo e termodinâmica de feitiçaria, nos daria a esperança de que os cálculos estivessem errados e o asteróide, afinal, passaria longe.
Se existissem foguetes salvadores e bases na Lua e em Marte esperando os sobreviventes, estaríamos diantes de outra situação "Titanic". Quem vai nos foguetes? (Nada de mulheres e crianças - intelectuais primeiro!) Tem que ser americano? Quanto custaria uma terceira classe? Aceitam cartão?
Nós finalmente nos conheceríamos - e seria tarde.
Texto extraído do livro O Melhor das Comédias da Vida Privada.
Luís Fernando Veríssimo
O Veríssimo é o cara, moça! O CARA! *-*
ResponderExcluir