11.10.11

Metafísica.

Luís Fernando Veríssimo

Quando Einstein morreu foi para o céu, o que o surpreendeu bastante. 
Assim que chegou, Deus mandou chamá-lo.

-Einstein! -exclamou Deus quando o avistou.

-Todo-Poderoso! - exclamou Einstein, já que estavam usando sobrenome. E continuou:

-Você está muito bem para uma projeção antropomórfica da compulsão monoteísta judaico-cristã.

-Obrigado. Você também está ótimo.

-Para um morto, você quer dizer.

-Eu tinha muita curiosidade em conhecer você - disse Deus.

-Não me diga.

-Juro por Mim. Há anos que Eu espero esta chance.

-Puxa...

-Não é confete, não. É que tem uma coisa que Eu queria lhe perguntar...

-Pois pergunte.

-Tudo o que você descobriu foi por estudo e observação, certo?

-Bem...

-Quer dizer, foi preciso que Eu criasse um Copérnico, depois um Newton etc, 
para que houvesse um Einstein. Tudo numa progressão natural.

-Claro.

-E você chegou às suas conclusões estudando o que outros tinham descoberto e 
fazendo suas próprias observações de fenômenos naturais. Desvendando os meus enigmas.

-Aliás, parabéns, hein? Não foi fácil. Tive que suar o cardigã.

-Obrigado. Mas a teoria geral da relatividade...

-Sim?

-Você tirou do nada.

-Bem, eu...

-Não me venha com modéstia - interrompeu Deus. -Você já está no céu, não precisa mais fingir. 
Você não chegou à teoria geral da relatividade por observação e dedução. Você a bolou. 
Foi uma sacada. É ou não é?

- É.

-Maldição! -gritou Deus.

-O que é isso?

-Não se escapa da metafísica! Sempre se chega a um ponto em que não há outra explicação. 
Eu não aguento isso!

-Mas escuta...

-Eu não agüento a metafísica!

Einstein tentou acalmar Deus.

-A minha teoria ainda não está totalmente provada...

-Mas ela está certa. Eu sei. Fui eu que criei tudo isso.

-Pois então? Você fez muito mais do que eu.

-Não tente me consolar, Einstein.

-Você também criou do nada.

-Eu sei! Você não entendeu? Eu sou Deus. Eu sou a minha própria explicação. Mas você? 
Você não tem desculpa. Com você foi metafísica mesmo.

-Desculpe. Eu...

-Tudo bem. Pode ir.

-Tem certeza que não quer que eu...

-Não. Pode ir. Eu me recupero. Vai, vai.

Quando Einstein saiu, viu que Deus se dirigia para o armário das bebidas.


Texto extraído do livro O Melhor das Comédias da Vida Privada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário